A depredação física do ambiente civilizado — incluído aí o patrimônio púbico, e portanto, alheio — não é, em essência, um problema meramente político. Antes de tudo, é um problema de consciência. Ou melhor: da falta dela.
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Não é fenômeno de ordem política senão pelo repugnante viés da revolução — que corta cabeças como quem quebra ovos para fazer omeletes de sangue e tirar proveito da violência. E por sinal, é justamente nisto em que se fundamentam as correntes marxistas de pensamento político-filosófico. As mesmas que hoje governam este eterno país do futuro e pilotam para o fundo de um abismo a carruagem de fogo morto da democracia. As mesmas que, em diferentes matizes, dominam de lambuja “o quarto poder” — que menos reporta fatos ocorridos do que induz as massas pela manipulação da linguagem.
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Anestesiado por motivos mil, aliviado do fardo da compreensão existencial e histórica do mundo que o cerca para além dele próprio, o diabo do indivíduo pensa que as construções humanas se criam a partir do nada, como que por passe de mágica; e não pelo emprego do trabalho e esforços de um sem-número de pessoas sem os quais nosso pobre-diabo não poderia contar sequer com um chinelo nos pés ou um teto sobre a cabeça.
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Trabalho e esforços alheios que, aqui ressalto, são nada menos que tempo e energia vital, cedidos a nós todos para a necessária materialização utilitária de tudo o que nos cerca e protege. Enfim, a vida, o tempo, o sangue de tanta gente, doados como abrigo em prol do bem comum e em caráter de interdependência.
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Nos dizeres de Aristóteles, sendo o homem animal político — ou seja, que por natureza convive e compartilha —, podemos da afirmação concluir que, alijado de tal consciência existencial que deveria advir justamente da razão, o homem se desumaniza. Torna-se menos homem e mais animal, como um porco ou um cavalo, rebaixado, afinal, a nível inferior a estes, que jamais traem sua natureza ontológica.
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Sem esta compreensão, não temos empatia necessária sequer para tirar o lixo para fora de casa. E o lixeiro, já que remunerado para tal, será tratado, ao fim e ao cabo, igualmente como lixo. E a faxineira, e o garçom, e o pedreiro, o engenheiro, o cozinheiro, o vigia, o policial, o porteiro. Neste estado de consciência anulada, se não temos estofo moral para o mínimo, para o básico da convivência, quanto menos o teremos para o ato de votar e clamar aos céus pela deusa democracia. Quanto menos para exigir o que quer que seja.
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E o que dizer de nossos espaços “civilizados”, nossas cidades, pichadas, imundas, relegadas a absoluta poluição visual, ao esgoto a céu aberto, ao disforme, à estética do feio? Qualquer visita a uma universidade federal já nos revela que neste país a barbárie da coisa pública pichada e vandalizada é entre nós coisa banal, chegando a ser até mesmo romantizada entre tantos que ali arrotam cultura e educação. O patrimônio público e histórico brasileiro jaz no descaso há décadas. Sequer túmulos são preservados. Culturalmente, o Brasil morreu, já é terra arrasada, e não há situação ruim que não possa piorar. Solução política também não há. Política só se faz entre humanos, não entre animais. A anti-pessoa não faz política.
E não deixa de ser curioso, afinal, neste estado desolado de coisas, notar que a comoção atual em torno dos escombros de Brasília só ganha holofotes, com tamanha repercussão, com tamanha verve, porque atinge de jeito o brio de uma elite, dos poderosos, dos iluminados, dos donos da República, que igualmente tomam parte na barbárie na medida em que dela necessitam e tiram proveito para a manutenção do status quo e a justificação de suas posições de poder muito bem remuneradas.
Rafael A. Teles, janeiro de 2023.
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