Testificado pela própria morte, selei com beijos uma vida insana. A consciência desalmada, a estupidez voluntária, a insensatez muquirana. Fechei os olhos e não mais as vi.
Da minha pobre sorte as emendas, antecipei todas elas, com alegrias tão particulares que meu espírito ministrava em minh’alma cadavérica. E voei como um jato pelos ares do sublime, rompendo baluartes com rugidos de dor e de arte, deixando as certezas pela metade e adubando o solo da minha língua.
Tudo o que não foi será, tudo será feito novo, de novo. “Eu renovo todas as coisas”, assopra o Pai Celestial numa rajada imortal de ossos secos e esquírolas podres. As ilusões, os devaneios, as falsas estaturas, máscaras e adereços, sesmarias impuras reduzidas ao pó cósmico das fortificações desumanas.
Agora um ser liberto, vi-me livre de mim mesmo, meliante da cadeia egresso, semideus analfabeto, meio humano meio inseto, camuflado em pedaços, feiticeiro maestro de uma retumbante e fundamental afasia. Alimentado pela seiva perene, sangue seco da figueira fria, serei enfim o que para ter sido nasci.
Estrela de muitas pontas, que aquece e não esmorece, que brilha ao luar, que ilumina sem cessar a podridão escura da ilusão social, da indiferença monumental, do homem sem Deus, que caga e fenece, que vive o que não acontece, que num curral permanece em festa e no luto, cachorro sem dono, mentecapto patrono, o eterno devoluto.
Rafael A. Teles, fevereiro de 2024.
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