“Se for a concretização de sonhos ancestrais voar e viajar com os peixes, atravessar montanhas gigantescas, enviar mensagens com velocidade de deuses, ver o invisível a distância e ouvi-lo falar, ouvir falarem os mortos, deixar-se mergulhar em miraculosos sonhos terapêuticos, poder ver como pareceremos vinte anos após nossa morte, saber em noites estreladas que há milhares de coisas acima e debaixo desta terra, das quais ninguém outrora tinha conhecimento; se luz, calor, força, prazer, conforto forem sonhos ancestrais do homem então a pesquisa atual não é apenas ciência mas magia, uma cerimônia de altíssima força emocional e cerebral diante da qual Deus desdobra uma a uma as pregas do seu manto, uma religião, cujo dogma é repassado e impelido pela dura, corajosa e flexível lógica matemática, fria e afiada como um bisturi.” — Robert Musil, O homem sem qualidades.
Tendo eu sido flagrado com a boca na botija — como o criminoso letal, que no despertar da aurora de róseos dedos no horizonte cintilante, é logo também notado, ao longe, sem máscara nem álcool-gel, num caminhar esplendoroso pela praia ao som do mar marulhante —, desejoso todavia de que não me tomem logo por “negacionista”, haja vista o sentimento de asco incontido que este vocábulo deveras peçonhento projeta instantaneamente sobre vítimas às quais pretende rotular (a despeito de não dizer absolutamente nada sobre porra nenhuma), é assim que, num crescendo irreprimível que vai da ironia ao sarcasmo, testifico, em minha defesa, e esclareço aos eventuais interessados, para que não pairem mais calúnias e injustiças sobre este pobre-diabo que vos escreve: eu acredito na ciência.
Acredito nas câmaras de gás como método cruel, mas infalível!, de aniquilação de pessoas indesejadas. E logo admito a notável eficácia das bombas de gás mostarda, cloro e sarin — famosas e temidas armas químicas desde a Primeira Grande Guerra. Por óbvio, celebro também com grande entusiasmo o Prêmio Nobel logrado, no século passado, por uns diletos cientistas alemães que nos presentearam com avanços de tamanha importância em matéria de guerra química e extermínio de pessoas. Também não ouso olvidar os avanços extraordinários da técnica médica que hoje viabiliza o tráfico de órgãos humanos no mercado negro da Deep Web, num verdadeiro amálgama macabro de ciência e tecnologia, o que de plano nos remete à inconteste sabedoria do adágio popular: — É um negócio da China!
E eu tampouco negaria os créditos devidos, é claro, à modesta cadeira elétrica. Instrumento já ultrapassado, talvez, mas de préstimos inestimáveis à sociedade. Nem ao discreto laboratório de venenos da lendária KGB. De corolário, não poderia, este que vos escreve, jamais deixar de acreditar piamente na bomba atômica, em Chernobyl e no Césio 137 — este último, flagelo de minha terra natal. De igual modo, acredito nos cães do dr. Pavlov, bem como na lobotomia e na lavagem cerebral: técnicas fundadas numa ciência não muito ortodoxa, mas que, multiplicando-se e metamorfoseando-se como propaganda e engenharia social à procura da justiça social universal, hoje fazem formigões sentirem-se joaninhas (e vice-versa) num piscar de olhos, como que por magia. Programação Neurolinguística, dizem, é a arte das ciências do oculto e dos segredos insondáveis da mente, que está para o pós-modernismo assim como é o encantamento para os contos de fadas e bruxas da Disney.
Dito isto, tendo eu assinalado todas estas coisas, comete uma imprudência grosseira o leitor que ainda insinue que duvido dos esforços empregados na criação de quimeras — a exemplo dos incentivos científicos da finada União Soviética (mas ainda muito viva em nossos corações de ferro) na realização de testes de inseminação artificial de chimpanzés com esperma humano. E é claro, meus camaradas, eu não me esqueceria jamais (ai de mim!) dos benefícios da técnica de trituração de bebês vivos dentro do útero de suas próprias mães. Método assaz correto e nobre, batizado “aborto” num singelo eufemismo diabólico para ser vendido na feira de avanços culturais democráticos como um direito da mulher moderna, toda empoderada.
Também se ilude o leitor amigo, se ainda pensa que este pobre-diabo que sou eu, poderia negar todo o potencial civilizatório das técnicas e métodos de eugenia que viraram coisa grã-fina e emblema da modernidade na Europa e Estados Unidos há quase cem anos. Logo, não nego e jamais negarei as tantas conquistas e utilidades práticas do chamado darwinismo social, com todas aquelas minuciosas especulações científicas encampadas pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, acerca de uma suposta superioridade racial, congeminada por alguns psicopatas desde o advento da Teoria da Evolução das Espécies — viga mestra e um dos maiores dogmas da ciência moderna.
Por sinal, já que o tal darwinismo social entrou aqui na conversa, assim meio gaiato, em Hitler e os Alemães (É Realizações, 2007), conta-nos Eric Voegelin que:
“Hitler diz em suas Conversas de Mesa que é um campeão ardoroso da crença de que na luta dos povos, a melhor seção sempre vence. Em sua opinião, todas as leis da natureza seriam invalidadas se os inferiores se tornassem senhores dos mais fortes”.
Em suma: eis a excelsa supremacia tirânica do caranguejo da garra maior. Aquilo deu nisso. Eureka! E a justiça de Trasímaco veste agora uma armadura científica, para o maior bem da humanidade.
E nem se fale aqui da manipulação química que dá grande utilidade social às drogas sintéticas, tão calculadamente disseminadas no tecido morto-vivo de nossas democracias ocidentais, de crucial papel estimulante, democratizante, como a soma de Aldous Huxley em Brave New World. Também não se fale da burocracia tecnocrática estatal que monitora, pune ou recompensa, e até faz desaparecer cidadãos reduzidos ao sistema de crédito social inaugurado no além-mar pelo Partido Comunista Chinês que tudo vê, tudo sabe, tudo compra e tudo controla. Sem a deusa ciência — esse nosso amado totem de adoração —, nada disso seria pensável e tampouco possível: é um atentado à inteligência humana que, em pleno século XXI, dela, da ciência, ainda há quem faça troça! Como bem disse o supracitado Huxley: numa época de tecnologia avançada, a ineficiência (estatal) é o pecado contra o Espírito Santo.
Ora, acredito até mesmo no Data Folha, com todas aquelas maravilhosas projeções matemáticas de tipo cartesiano, incorruptíveis, hipertrofiadas, que permitem-nos prever o futuro com graus de confiabilidade jamais sonhada pelas mistificações de reis, papas, astrólogos e profetas em tempos obscurantistas.
"E assim, já no tempo em que Ulrich se tornou matemático, havia pessoas que profetizavam a derrocada da cultura europeia, porque nenhuma crença, nenhum amor, nenhuma candura restavam no ser humano; e significativamente todos foram maus matemáticos na juventude nos anos escolares. Isso provou para eles, mais tarde, que a matemática, mãe da ciência natural exata, avó da técnica, também é mãe ancestral daquele espírito do qual finalmente brotaram os gases venenosos e os pilotos de guerra.” — Robert Musil, O homem sem qualidades.
E para que não fique de pé o menor mal-entendido, e que nada além da pós-verdade ouse romper a barreira dos meus dentes: em tempos virulentos de Covid-19, repudio! o uso clandestino e indiscriminado daquelas substâncias obscuras denominadas hidroxicloroquina e ivermectina, já em muito ultrapassadas pelo mover da História! Em tempos extremos, somente uma vacina experimental — produto instantâneo do capital, de lucro líquido e certo —, obrigatória a todo ser vivo, poderá nos devolver a liberdade vigiada. Mas pelo amor do bom Deus, só o que peço é o registro de minha única ressalva: na ciência, até que vai!, mas não exijam de mim que eu acredite em meia dúzia de burocratas anônimos que içam a bel prazer as velas do mundo, diretamente do escritório da Organização Mundial da Saúde. Nem em poster boys de pandemias, como o sr. Bill Gates, que até hoje não curou os trancos do Windows, a despeito de já ter até bebido água de cocô, pelo bem da humanidade. Gente que diz hoje o que desdisse ontem e tornará a negar ou reafirmar amanhã, a depender de quem melhor os remunere.
Assim encerrando esta minha longa exposição de motivos, ao leitor que até aqui chegou não me custa, por fim, provocar: por que empurrar para debaixo do tapete (como se ninguém estivesse vendo) o fato inescapável de que o método científico é, por definição, uma ferramenta, um meio; não um bem ou um fim em si mesmo? Para aonde vai? Quem o conduz? Quem com ele lucra e quem o financia? Talvez estas perguntas sejam mesmo necessárias hoje, para que não venham a ser reputadas ilegais amanhã, pelas mãos de um Frankenstein qualquer.
Rafael A. Teles, fevereiro de 2022.
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