Passei a vida no ermo, situado a meio termo entre a graça e a solidão. Meu mundo é simbólico, poético e retórico. Insofismável. E por isto mesmo, adorável cidadela onde a fé no efêmero não prospera, jamais. Para lá me mudei sem permissão, das autoridades locais, das guardas municipais, das sentinelas gerais que determinam o sim e o não, o herói e o vilão, forma e matéria, pela voz deletéria da Esfinge que engendra enigmas de tempos e eras ao som do cantochão, entoado em ritmo funesto, à medida em que bandeiras brancas, a meio mastro, são tingidas de sangue e de asco, com palavras de ordem e progresso.
— Decifra-me ou devoro-te! (cantochão em sol menor, bem menor). Devoro-te nada! Porra nenhuma! — disse-me a Esfinge, depois de uns dedos de prosa.
— É tudo papo furado, para afastar a multidão! Me paga um café, que na terra do rei Pelé, só para a morte não tem jeitinho não.
Para lá me mudei desde então, acelerei na contramão, do país do futuro.
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Meu mundo é simbólico porque o símbolo é o próprio mundo, condensa e abarca em si a realidade inteira. Matriz de intelecções que faz dos lírios do campo autoridades sacerdotais, lenitivo contra boçais. Mais confiável que o governo, nasceu há dez mil anos atrás, muito antes do contrato social, do Iluminismo radical que, de tanto cortar cabeças, subverteu a ordem estrutural da espiritualidade humana para encerrá-la num curral. O símbolo é um amigo que não trai, um gigante que sempre vai até os primórdios da civilização buscar sentido e significação. Companheiro, bom vizinho e bom conselheiro, xinga o árbitro sem perder a razão, ganha a aposta e não finge que não. O símbolo é a vida como ela é, não quer macular a tua fé, subverter-te a razão.
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E assim concluí sem perdão: é por isto que meu mundo de símbolos é a única coisa real que existe. Fora dele — pois aqui embaixo, onde só venho a trabalho —, tudo finge ser o que não é.
Rafael A. Teles, setembro de 2022.
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