Por que raios Cristo mandou “amar ao próximo como a ti mesmo”? Talvez seja porque o próximo é tudo o que temos, a única realidade tangível. Ao que tudo indica, a regra moral universal não exige de nós logísticas impraticáveis, para desespero do idiota que só se sente completo quando logra dar um passo maior que a perna.
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Quando foi que nos convenceram de que existem por aí salvadores da pátria, que só precisam de uma bela chance para, através do voto (e que diabos é o voto?) e do alto de um palanque, nos tirar a nós todos do fundo do poço de um eterno descontentamento social? Dar-nos empregos, segurança, moradia, saúde (pasmem) e (pasmem de novo) felicidade? Que bruxaria é essa? Como isto é possível? Até quando dura em nosso imaginário atrofiado o sebastianismo dessa espera sem fim, desse adiamento infinito?
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Por que insistimos tanto, meu Deus, em acreditar que políticos se importam verdadeiramente com pessoas das quais não sentem o cheiro, o bafo, o chulé, que nunca viram, que não conhecem, que não sabem onde moram e como se viram para sobreviver? Ah, mas o Fulano é diferente! Não é não. À exceção dos grandes santos, jamais foi possível separar os homens dos canalhas, mas são estes os que dão de comer à nossa fome de mentiras.
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E quando foi que passamos a acreditar que seria possível amar a humanidade, lutar por um mundo melhor, matar a fome das criancinhas que apodrecem num continente do outro lado do mundo (onde a maioria de nós sequer pisará um dia), salvar o planeta, empurrar a história, erradicar do mundo a dor e todas as doenças, e em todos esses delírios e baboseiras ideológicas que de nada servem, senão como pretextos belíssimos para que mais, mais e mais opressão se imponha violentamente sobre todos?
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Convenhamos, não era para estarmos fazendo nada disso. Era para estarmos apenas tentando amar ao próximo como a nós mesmos, quietinhos no nosso círculo de possibilidades imediatas. Era só isso e nada mais. E quem sabe assim todo o resto não nos seria acrescentado!
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Problemas globais exigem soluções globais!, arrota aos quatro ventos o burocrata que muito provavelmente não se lembra mais como se arruma a própria cama e que não sabe trocar o pneu do próprio carro. E daí surgem essas figuras abjetas que conosco nada têm que ver, grossos batráquios do pântano republicano, parvos e bestas de todos os quilates, para todos os delírios, que decidem tudo e qualquer coisa sobre nossas vidas, à revelia dos principais interessados (eu e você), como se fôssemos crianças de colo, incapazes das próprias escolhas e das responsabilidades que daí decorrem.
E falam por nós, pensam por nós, agem por nós, decidem por nós, quais opiniões devemos ter, quais palavras podemos dizer, a religião civil que devemos professar e em quais mentiras devemos acreditar. E prometem justiça, fazendo dela um instrumento subalterno da prepotência política. O sujeito veste uma toga encantada, um manto de bruxaria, e logo se sente um reformador da sociedade, o condutor, a luz-mestra que nos guia como uma cusparada a mesmo. E nos obrigam asssim a aceitar — ou melhor, a engolir — um mundo maravilhoso que nunca chega.
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Sabem por que os políticos mais bem intencionados jamais acabarão com a fome e com a pobreza? Querem saber por que praticamente metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico, num território dos mais de ricos no mundo em termos de recursos naturais, e assim será mantida?
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Deve ser porque, sem todas essas mazelas sociais, políticos nãos têm razão de ser. É delas que eles se alimentam: do fogo-fátuo de nossa decomposição.
Rafael A. Teles, outubro de 2023.
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