CONTRADIÇÃO EM TERMOS
- Rafael Teles
- 12 de set. de 2024
- 3 min de leitura
A inadequação me fascina. Meu desconcerto confesso até mesmo, dos homens, ao mais abjeto, ao indigno-mor dos mortais imorais: eu, que vos escrevo como quem peca, que vos escrevo como quem reza, como quem ama e despreza a quem não sabe amar, não sabendo eu mesmo como sequer começar. A frustração me domina. Carrego debaixo do braço a sina, como um peso morto a saltar de um precipício abissal, violento, que consome Ofélias com rochas e pedras, voraz assassino, cabeças de vento à beira do mar.
Do alto de meu estado alterado, como um velho cansado eu vago, cego e decrépito, trôpego tropeço, me arrasto, na condição de indivíduo e cidadão laureado, que se vê por si mesmo impedido de atingir a satisfação de uma necessidade de ordem vital, pulsional, a que não aprendeu nomear. Habita em mim uma coisa que não tem fim, coisa sem nome, coisa sem mim: ANGÚSTIA. Uns a chamam de sombra; outros, alma; e outros, ainda, dão-lhe o nome de Deus. Não se exorciza, não se batiza, o que não tem nome.
Solene e inconsequente, castigo a terra com podres sementes, mãos e pés, línguas e dentes que um dia haverá à terra pungente também castigar. Em brasas ardentes, a pele derrete e contrasta com o coração impotente, gelado de frio, dormente. Pois sigo por caminhos que não desbravei, quebrando os ossos que não desejei, os meus, os teus, os de toda a raça de Caim, vagabunda, que me atormenta, que me afugenta, que me faz engolir a tormenta dos impulsos de uma sociedade fragilizada e doente, que finge que é humana, que finge que é gente, sonhos de aspiração delinquente que move a roda a girar, a roleta russa que para o projétil no ar, faz-me esconder, delirar, rouba-me a vida e o brilho no olhar. Olhos vitrificados não têm alma. Já os vistes de perto?
Não fui pensado; pensei. É que sonhos sonhados por sonhadores amargos constituem grilhões inquebráveis aos que, de fome, consomem migalhas que caem da mesa, pois não sabem jogar a voraz jogatina burguesa, da inveja a irmã siamesa, prima primeira da lisonjeira vaidade que arrebata Narcisos e Ecos em cada João, em cada José, em cada Maria, em cada mané. Tudo bem, é assim. A vida como ela é, cada um por si mesmo.
A contradição me incrimina. Me quebra, define, definha, me faz censurar os alheios trejeitos, os jeitos, os pobres sem-jeitos, meus próprios defeitos que não ouso calar. Aliás, das pessoas seria demais demandar clareza nestes tempos tão indefinidos, vagos, imprecisos. Somos vento, somos massa, somos cinza, somos pó, somos Judas, somos Jó, somos nós a mais perfeita vocação em matéria de contradição. Contradição em termos! — diria o contraditório pseudo-filósofo da USP. Somos o macaco no espaço sideral, o DeLorean, o Titanic, somo gado, somos Babel. Até mesmo o Gilberto, o Freyre de Apipucos, grande homem que era, definiu-se a mesmo, numa palavra: contraditório. Se guardo invejas, é da sinceridade.
Numa época assim como a nossa, de trevas tão luminosas, como exigir das pessoas uma qualquer definição? No fim de tudo, cada um por si mesmo verá: é a vida mesma quem bate, e derruba até o mais forte, bate mais forte que a morte, como o martelo que aplaina o aço. Naquele dia, não há de haver entre nós topografias humanas. Viva e verás.
Rafael A. Teles, setembro de 2024.
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