O que direi é tudo. Não menos que o necessário. Que do meu peito esquartejado, malgrado este esquálido viver, se encha das minhas razões um diário, sem jamais ter o que dizer para este mundo profanar em frêmitos sangrentos de palavras ditas ao vento, como cusparadas rumo ao nada, ou da serpente o veneno ejaculado. E não hei de roubar o que de valor no silêncio habita, ouro puro em lídima pepita, e preencher o vazio espacial da dor com plástico, vômito e brita, do abismo sideral de minha própria encarnação. As trevas nos fazem crer que somos cegos. O que nos cega é o alarido, a gritaria. Aquieta-te nas trevas, confortável na escuridão. Na noite interior medita. Aduba o solo da tua língua, irmão.
As palavras se movem e vão, colorindo a paisagem, do cume ao chão, demarcando fronteiras, sobrepujando barreiras, conferindo à realidade um nome e significação. Nascem ao som de um milagre, na aurora da angústia, da sinceridade, da viva necessidade, jovens idealistas, puras e anarquistas, em grosso calibre de precisão. Aí de nós!, que aos cavalos damos bom dia e aos jumentos damos de mamar! Inadvertidos, sem apreço e sem raciocínio, falamos demais. A presença delas exigimos demais, a punhos cerrados, numa exasperação brutal da ideia sobre a realidade, até a estrangulação fatal de toda a significação. Somos, no fim, um covil de abusadores.
Inoculado o veneno, as palavras se movem em vão, travestidas de medo, bebendo do fel e do fétido sebo, confundindo o sim e o não, pintadas de lodo e cimento, até o completo desuso, complexo, até o fadado momento, da morte, do fim, do fim de uma era que nos fala sem saber o que dizer, ao acre sabor de peçonha espiritual, do ódio instrumental, da propaganda eleitoral, na coreografia disforme daqueles que com a cabeça amam e com o coração raciocinam.
Com T.S. Eliot, aprendi que as palavras estalam, quebram-se, por vezes, sob o fardo. Eis a crua verdade. Nós somos o fardo. Somos Babel. Quanto mais alto, maior a queda. A morte da palavra é a morte do mundo, enterrado como indigente, sem nome, sem documento, revirado em vala comum, num espetáculo sangrento televisionado. As trevas nos fazem crer que somos cegos. Babel nos faz amar, como mariposas rumo ao fogo, o inebriante sol falsificado. Aquieta-te nas trevas, confortável na escuridão. Na noite interior medita. Aduba o solo da tua língua, irmão, pois só assim verás.
Da escuridão se fez a luz.
Rafael A. Teles, outubro de 2023.
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