Nada direi além de obviedades a respeito desta foto que representa um grande escárnio, uma troça monumental. O esquartejamento da Justiça e do Direito e a divisão, televisionada, dos despojos. A vitória do banditismo cínico de vastíssimos cretinos e canalhas completos em face das tão surradas esperanças do cidadão anônimo que ainda insiste — tanto mais obstinado quanto mais ingênuo — em acreditar neste “país do futuro”.
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O que talvez não seja tão óbvio assim é que a ocasião que esta foto registra não constitui exemplo isolado de troças monumentais, de cusparadas na cara do brasileiro servil — por demais iludido com o sufrágio e com um texto ficcional que chamam “constituição”, do qual tanto se fala na televisão.
Somos o sapo na panela, antes indiferente e agora inconsciente, anestesiado até o ponto de semi-vida espasmódica e torturante, que paga o preço pela incapacidade de notar que a temperatura há muito já havia se tornado insuportável. Há muito tempo!
A temperatura republicana no panelão chamado Brasil nunca foi senão insalubre e periculosa, hostil. Dormimos em berço esplêndido, demos de mamá a ditadores — e eles cresceram, agora são muitos, estão em toda parte, à esquerda e à direita, até que tomaram de assalto a nossa pátria. E agora, é como se nossa terra não mais produzisse pessoas, mas bichos cuja única linguagem é o mugido. De que outro modo o parlamento não seria então senão curral? De que outro modo a “cultura nacional” neste século do progresso tecnológico não seria senão pornográfica e tribal?
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Talvez também não seja tão óbvia assim a inoperância absoluta do processo de oposição, pela via política, a este estado de coisas há muito consolidado, pelas mesmas razões supracitadas. Há quem ainda insista, até o ponto de ser tragado pelo mimetismo, pelos cacoetes, pela linguagem corrompida, pelas pequenas transgressões, pelas grandes transgressões, pela pressão de um sistema feito para moer consciências e manter incólume a dissonância de ecos profundos entre mundos estanques que não se comunicam: povo e poder.
O Brasil é o feudo patrimonial onde o juiz julga o próprio algoz e onde o político semi-analfabeto unge juízes, com direito a tapinhas carinhosos no rosto gordo e jantares caros. Alguma chance de isto dar certo?
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E se é assim, o que enfim nos resta? Eu não sei o que nos resta; sei o que a mim me resta: a caridade, o trabalho e o esforço sobre-humano para manter-me acordado e não contribuir com mais gotas de fel sobre este solo sagrado.
Rafael A. Teles, agosto de 2023, por ocasião da posse do advogado Cristiano Zanin como Ministro do Supremo Tribunal Federal, mediante indicação de seu cliente e amigo pessoal, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.