Que é a verdade, para você? O pecado original cristão, ou o mito do bom selvagem, de Rousseau? Onde estará incrustada a raiz de todo o mal, de toda a corrupção? Quando as tem, a grande massa não sabe de onde vieram as suas ideias, a origem de suas crenças cotidianas. Sequer as distingue. Não faz a menor ideia do impacto político que isto gera.
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Aprendi, com Gustavo Corção, que a maioria de nós raciocina e forma opiniões pelo mero tilintar das palavras, o barulho, o zunzum que elas produzem. Repudiados — como quem chuta com o canto do pé uma barata morta para o canto do quarto —, os significados que as palavras carregam passam ao largo das conversações. Não entra em conta o capital simbólico.
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Nélida Piñon foi a primeira intelectual que a mim apresentou um diagnóstico social deste fenômeno de afasia social, dando a ele um nome. Olavo de Carvalho, também há muito já dizia que o homem medíocre não acredita no que vê com os próprios olhos, mas no que aprende a dizer.
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Eric Voegelin e Karl Krauss também registraram linhas preciosas para dizer-nos que as ideologias destroem a linguagem, incluindo aí a força propulsora do jornalismo moderno, na fabricação de realidades postiças para as quais as pessoas se deslocam como gado, animal de pasto. Uma segunda realidade. Com Graciliano Ramos, aprendi que a “opinião pública” não existe, porque é paga.
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É daí que a mim me parece ser insustentável, hoje, a crença ingênua na eficácia do sufrágio universal, da democracia, dos maravilhosos ideais republicanos (seja lá que diabos isto queira dizer), quando as pessoas, sem saber como votam e sequer no que crêem, votam contra si mesmas, num processo absolutamente controlado de cima para baixo.
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Nas extremidades da esquizofrênica Ágora moderna, os terraplanistas negam aos textos sagrados toda a possibilidade de uma significação mito-poética, encerrando-os in limine numa literalidade canhestra, duvidosa, cheia de buracos.
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Os terracomunistas, no extremo oposto, fazem exatamente igual com seus postulados ideológicos, com a linguagem acadêmica e técnico-científica, com sua língua de pau, que de tão cansativa e pedante, de tanta pompa encantatória, nada produz além de racismo em buracos negros e a rotulação de pessoas como produtos em série industrial.
Gente de carne e de osso, de bile e de pus, de crença e carência, que arfa e reza o Pai Nosso, almaldiçoa e blasfema. Sinais e gestos que no fundo o homem medíocre já não compreende, mas que já cataloga, com essa pressa violenta do seres superficiais. Figuras de linguagem são extirpadas da comunicação humana, agora inacessíveis, indecifráveis, indesejáveis até. Assustam, oprimem, obsedam: vieram do além.
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E o homo deixa de ser sapiens, retorna ao bestial, ao animalesco, às pulsões vulcânicas do baixo-ventre que o governa e tiraniza. Num tabuleiro de palavras vazias, o destino coloca afinal o seu irrefutável tento preto.
Rafael A. Teles, dezembro de 2023.