INCENDIÁRIO
Com especialização na esfera do Direito do Trabalho e extensa atuação em diversos estados brasileiros, fiz-me advogado e assim me viro na condição de profissional do Direito, já vão quase quinze anos. Mas na verdade, aqui isso pouco importa. É que a autoridade vem do autor (autoria); não de títulos e posições, patentes e salamaleques.
Aos onze anos, fui chamado "cheque sem fundo" por um pedagogo, diretor insensível de uma escola primária em minha cidade. Na ocasião, minha mãe, pobrezinha, cogitava matricular-me ali e aquela foi a justificativa dada pelo bedel supracitado para negar-me o ingresso. Aos quarenta, fui chamado "intelectual e poeta" por um conceituado professor de Língua Portuguesa que havia acabado de ler um texto de minha autoria cuja inspiração foi Carlos Drummond de Andrade. Não me abala nem deslumbra o tom hiperbólico de tais opiniões a meu respeito. Mas uma coisa é certa: talvez ambas tenham lá suas quotas de razão.
A quantidade de vidas que vivi, o que mudou dos onze aos quarenta, nem o Diabo explica. Nem sequer a respeito de uma terceira ocasião também curiosa, no entremeio, na qual fui reputado persona non grata por ter escrito artigos irrespondíveis que expunham fragilidades doutrinárias mil que eram propagadas numa igreja protestante como receitas encantatórias e misticismo para o sucesso, reduzindo Deus a um gênio da lâmpada, a um boneco de ventríloquo. Enfim, meti-me numa confusão dos infernos. Nem sei como fui parar ali. Mas se já fiz-me até templário das letras, é que talvez eu tenha mesmo algo a dizer. Ao chamado delas, portanto, não me farei de rogado, sob pena de definhar pelos poros da alma.
O que aqui publico despretensiosamente, o faço tão somente pela vocação da escrita, como num frêmito das mais sagradas intelecções — minhas, alheias, ilustres, anônimas, de gente santa a pobres-diabos. O mensageiro não é maior que a mensagem. O profeta não é maior que a profecia. Somos todos vórtices do divino Logos.
Mantenho este espaço, portanto, como o repositório autoral de artigos, crônicas, ensaios, sonetos e textos de opinião em geral, aqui registrados num único intento: manter aceso o clarão do espírito que ilumina (ou incendeia?) a consciência.
Assim como o filósofo francês Louis Lavelle, acredito que há palavras que são pronunciadas com a única intenção de agir sobre os homens, neles produzindo algum efeito. E tal se sucede também quando se escreve. Elas não têm valor: as únicas palavras que contam são aquelas pronunciadas tendo em vista a verdade; não o resultado. Aprendi também, com o nosso Graciliano Ramos, que "a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
Assim sendo, sejam bem-vindos a este diário, por assim dizer, de singelos registros textuais, aqui de improviso batizado: INCENDIÁRIO. Por oportuno, informo ao leitor amigo que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, neste humilde espaço, solenemente ignorado, menos por contrariedade e birra gramatical ostensiva de minha parte, do que por parecer-me megalomania monstruosa a tecnocracia moderna crer de si mesma habilitada a estatizar a língua viva de Camões e do Bruxo do Cosme Velho, vulgo Machado de Assis. O Leviatã, meus caros, é mesmo de um ridículo inenarrável.
Boa leitura e obrigado pela visita.
Rafael A. Teles.
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